sábado, 30 de maio de 2020

Noite Carmim - 08

O homem olhou longamente Toshiro, enquanto o retalhador mantinha-se em silêncio. Até que ele suspirou e deu de ombros.

-"Silencioso, pra variar. Bom, suponho que tipos como você sejam de fato os melhores pro trabalho. Se anime, em breve teremos algo grande pra você."

E em seguida ele lançou um saco de moedas sobre a mesa, que continha o generoso soldo semanal de Toshiro. A quantia havia sido aumentada, "como retribuição aos bons serviços prestados", como o homem informou. O valor permitia a Toshiro ter os confortos esperados da classe dos samurais, mesmo que fosse uma situação rara hoje em dia.

Dois dias se passam, com Toshiro levando sua rotina de treinos adiante. Manter corpo e mente afiados era algo tão importante quanto manter aguçado o fio da espada.

Na falta de locais de treinamento discretos apropriados, Toshiro mantinha seus treinos físicos dentro da Hikari-ya, seja em seu quarto, seja no pequeno jardim de inverno que a pousada possuía nos fundos. Era um improviso que comprometia muito do desenvolvimento do treino, mas a ordem de manter a discrição impedia Toshiro de realizar sua rotina completa em locais públicos.

Quando Toshiro voltava para casa, após uma rotina de treinos particularmente puxada, decidiu tomar o caminho wue acompanhava o rio, por achar que a brisa abrandaria o calor do esforço e secaria-lhe as roupas molhadas de suor.

Foi quando notou Asami na rua principal. A jovem herdeira dos Hikari aparentemente estava em compras, e enfrentava dificuldades em carregar os pesados baldes de sal e missô. E negociava ferozmente com um comerciante na rua a respeito de uma saca de arroz.

Toshiro ao ver Asami Hikari trabalhando, com os baldes nos ombros, o suor escorrendo pela testa e as rodelas de umidade perto das axilas acredita que ela terá dificuldade para chegar em casa. Não que não chegue, certamente chegará. No entanto o bushido fala de compaixão e em ajudar aos outros. Estaria aquela negociação sendo mais demorada que o necessário?
      -- Asami-san, está negociando produtos de qualidade? Pediu um desconto para esse arroz? Toshiro sabia que qualquer comentário assustaria Asami pois a mesma não esperava encontrar com ele ali, nem mesmo que um samurai desse atenção para ela fora do ambiente de trabalho. Deveria Toshiro ajudar Asami com suas tarefas? Não parecia adequado, no entanto a negociação deveria ser adequada e rápida já que o mercador podia ver o desafio que sua cliente enfrentava para carregar a mercadoria. Para Toshiro havia compaixão com o próximo ao esclarecer para o mercador que deveria ser rápido em sua negociação para evitar o sofrimento de seus clientes.

       Ao olhar nos olhos de Asami-san as memórias de Toshiro o faziam se lembrar de que fazia muito tempo que não tinha uma mulher em seus braços.

-"Oh, Yamamoto-dono! Olá"- Asami sorriu ao ver Toshiro se aproximar, e o cumprimentou com uma breve reverência. A moça corou quando o samurai ofereceu-lhe assistência em suas tarefas, e agradeceu-lhe de forma hesitante, em clara dúvida sobre se seria apropriado aceitar ajuda de um homem de classe superior à dela. Porém, seus irmãos não puderam ajudar-lhe, e estaria em apuros para levar até a ryokan as pesadas compras que fizera. Sal e missô eram volumosos e pesados, e representariam um esforço excessivo à pequena Hikari Asami.

Finalizaram rapidamente as negociações. O comerciante se intimidou com a presença do samurai e forneceu um desconto maior à moça, que sorriu, feliz. Conversaram sobre amenidades no trajeto de retorno à pousada. Toshiro sentia as palmas da mão arderem conforme o cânhamo da corda -que era mais fino do que devia. a corda devia estar gasta e necessitando ser substituída- arranhava-lhe as palmas das mãos enquanto carregava os baldes de madeira que continha as pedras de sal e os fardos de missô. Sentiu que não eram tão pesados para seus braços fortes, mas que o peso aumentava conforme caminhavam e seus braços se cansavam. Pensou que era um excelente treino físico para seus braços e quadris. Chegou a se questionar silenciosamente se não deveria ajudar mais a moça. Era um treino decente e uma companhia agradável.

Quando se aproximaram do Ryokan viram o jovem Hikari Touda, irmão de Asami, conversando alegremente com uma moça. Estava explicado o atraso do rapaz em ajudar a irmã. Conforme se aproximaram, o rapaz percebeu Toshiro e Asami se aproximando e se despediu da moça, correndo em direção à irmã.

-"Onee-chan¹! Perdão! Eu já estava indo ao seu encontro, não precisava incomodar nosso hóspede! Sinto muito, Yamamoto-dono!"- o jovem pediu licença ao samurai antes de aliviar-lhe a carga, pegando para si os baldes enquanto agradecia e pedia desculpas ao mesmo tempo, fazendo uma série de reverências. Asami repreendeu o irmão severamente e pediu desculpas à Toshiro. Perguntou-lhe então se gostaria de tomar um chá, e se havia algo que poderia fazer em retribuição à ajuda prestada.

Porém, Toshiro sentiu sobre si os olhos de um transeunte. Olhou de soslaio, e viu que era observado por dois homens do outro lado da rua. Ambos samurais, já que carregavam katanas. Conversavam entre si e tinham os olhos fixos em Toshiro.


¹- Tratamento dado a irmãs mais velhas.

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