domingo, 31 de maio de 2020

A menina que Dança - 08

O coração tem uma morte lenta. Perde-se a esperança como as árvores perdem as folhas, uma a uma. (Chiyo)




Na alvorada do dia, algumas pessoas passam apressadas nas ruas de Kyoto, o dia já havia começado para elas, pessoas sem rosto, sem nome e cada uma com suas historias e batalhas. Os primeiros pássaros já começavam a cantarolar nas janelas e arvores, avisando a todos que a noite dera o seu lugar para o dia,  o aroma dos chás sendo preparados perfumavam o ambiente, a cidade acordava. Mas no interior de uma simples casa, em uma esquina qualquer daquela cidade, encontrava-se uma pequena mulher, que teve seu coração e todo o seu ser destruído na noite interior, estava deitada e encolhida em posição fetal que se não fosse o suave respirar poderia acreditar que aquele corpo não tinha vida, afinal sua alma fora dilacerada. 





Depois de algumas horas  do amanhecer Suzuki despertou, seus pequenos olhos puxados abriram-se para o mundo e a mesma resolveu levanta-ser do seu futon. Ainda nua caminhou para o grande espelho que encontrava no seu quarto, que muitas vezes se trocava ali, ensaiava seus passos de dança, se maquiava se tornava a geisha que todos admiravam ali naquele espelho, mas hoje, naquela manhã, não reconhecia aquela mulher que a encarava, passou a mão em torno do seu corpo, acariciando cada pedaço do mesmo, tocando delicadamente em seus seios, na sua boca, na sua barriga.  Seu  corpo branco parecia a neve da sua cidade natal que por um instante foi quase tocado por alguém desconhecido e não merecedor de tal privilegio, seu cabelo comprido preto, cor da noite, caia sobre pelo seu corpo,  seu brilho, seu cheiro ... tudo era seu e fora tocado por alguém nojento e asqueroso. Tudo aquilo lhe pertencia, mas sentia que foi invadida e o bile daquela noite a deixava enojada e indefesa.





Caminhou para a cozinha e colocou a água para esquentar, precisava de outro banho, precisava se reencontrar. Enquanto a água esquentava Suzu preparava omelete e um chá Jokisen para seu café da manhã, estava sem apetite, mas precisava comer, precisava manter-se em pé. Após se alimentar pegou a água quente e jogou na banheira, jogou alguns sais minerais e pétalas de rosa, e entrou, ficou ali até a água esfriar, enrolo-se no seu kimono e seguiu para sua mesinha, penteou seu cabelo com sua escova dourada e toda desenhada a mão que ganhara de sua mão um pouco antes de saido de casa, escova que fora da sua bisavó, que fora da sua mãe e agora era tua, e naquele momento o sentimento de saudades tomou conta do seu coração, então Suzu fechou os seus olhos e se viu uma garotinha com os olhos vivos e alegres, sentada em um banquinho que não alcançava seus pezinhos no chão, e sua mãe tão doce e jovem penteava com todo carinho o cabelo daquela garotinha , cantando as mais belas canções, depois fazia duas tranças e prendia com fita de cetim vermelha e as duas iam passear nos campos verdes e ficavam caçando borboletas. Suzu sentia falta da sua mãe, da sua família, abriu a gaveta e pegou um papel de arroz, um pincel e um nanquim e escreveu para sua mãe e família, dizendo a todos o quanto sentia a falta de cada um, o quanto a cidade era bonita, como as arvores das cerejeiras enchiam os olhos de tanta beleza, o quanto se divertia nas casas de chá  e o quanto estava avançando no seu aprendizado. Mas não mencionou nada do que tivera acontecido com ela na noite anterior, não queria deixar seus pais preocupados e com sede de vingança. Precisava lidar com isso sozinha. 





Aquele dia não queria treinar, pois geralmente depois do café Suzu costumava treinar suas apresentações da noite, separava sua roupa, organizava sua casa, preparava seu almoço, meditava, estudava e se preparava para ir trabalhar, mas naquele dia não queria trabalhar, ainda não estava em condições de alegrar alguém, ouvir os problemas de alguém, sendo que ela mesmo estava destruída, era a própria tristeza encarnada. Mandaria um recado para casa de chá por um mensageiro dizendo que estava indisposta, ficaria ali no conforto da sua casa decidindo o que deveria fazer em relação a tudo que presenciou, em relação ao caráter do Gensai que na mesma noite mostrou um assassino a sangue frio e um herói de mocinhas indefesas, olhava para a espada e o bilhete ali na sua mesinha, há deixava na duvida e ao mesmo tempo criara um sentimento bom que nem mesmo ela conseguia entender. Não sabia se deveria procurar a policia, não sabia se seguiria a sua vida e manteria o ocorrido em segredo no seu intimo e deixasse a vida julgar e decidir por ela as pessoas envolvidas. Uma das lições que aprendera sendo geisha é o que se escuta no salão, fica no salão, que devemos ser discretas e guardadoras de segredo, então deveria guardar  o ocorrido da noite anterior, mesmo sendo uma cena criminosa? Suzu estava em conflitos, então naquela tarde tarde  decidiu meditar e tocar seu shamisen para dessa forma conseguir se reencontrar e decidir qual seria seus próximos passos. 


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