sábado, 28 de março de 2020

Sons, Gostos e Cheiros - 06

Os homens se entreolham e avaliam a sua situação. Richard era um marinheiro famoso, tinha grande reputação entre os homens do cais. Além disso, estava armado. Rapidamente entenderam que não valia a pena e apenas soltaram a moça. "Vamos rapazes. Não vale a pena." foi a sentença do homem de cicatriz para os outros. Eles deram de ombros e ja se retiravam quando Richard os chamou. Os homens olharam de volta e Richard lhes lançou uma moeda.

-"Uma rodada de cerveja pelos seus problemas, rapazes. Relaxem, somos todos amigos aqui."- o experiente lobo do mar previra problemas futuros, e agira para acalmar a situação. Os três marujos riram alto.
-"Você é um bom homem, Richard. Sem ressentimentos."- disse o homem da cicatriz, que surpreendentemente ficava ainda mais feio quando sorria.

O velho lobo do mar suspira aliviado. Sua tentativa de apaziguar os ânimos poderia fazê-lo parecer fraco e aumentar ainda mais o risco, mas seria certo que os homens guardariam ressentimento e poderia apanhar Clement sozinho em nova oportunidade. Felizmente, a sua aposta pagara bem, e o homem pôde devolver a arma para o coldre. Ele veste sua boina marrom surrada demais e dá palmadinhas amistosas no ombro de Clement.

-"Escapamos de uma boa, hein? Um pouco mais de cuidado, rapaz. Eu não vou estar por perto sempre. Bom, aproveite a nativa. Dizem que elas são muito boas com a boca."- Richard deu mais algumas palmadinhas amistosas no ombro do amigo e deu uma risada forte antes de se virar para ir embora.

A moça permanecia em silêncio, e imóvel, como se esperasse ser reivindicada pelo lado vencedor da disputa, e observava Clement com olhos suplicantes.


Com o comentário de seu amigo, Clement sente suas bochechas esquentarem, lembra seu velho tutor o repreendendo por alguma arte que fizera quando pequeno. que sensação nostálgica essa, um breve momento de saudade toma conta de seus olhos.


 Novembro, Três anos antes.

   Uma nevoa clara paira sobre a cidade, a brisa calma que vem do céu confronta as ondas de fumaça do alto das casas espalhando fuligem e o cheiro por kilometros, os grandes corredores de concreto formam um labirinto no centro da cidade e mais ao longe dali, em frente ao grande bosque Roundhay um café é posto sobre a mesa numa delicada xícara.

< - Não foi dessa vez Milles, mas eles deveriam aceitar como essa a maior obra do ano, não, da década! eu me esforcei muito.>
< - Eu tenho certeza Clement mas não é assim que funcionam as coisas, os auditores sabem quando uma obra é um achado, como também sabem que você pode fazer melhor, entenda filho você é jovem e tem muito talento mas levante suas calças e acorde, demora décadas para uma obra ser reconhecida e muitas vezes só depois da morte do compositor elas ganham valor e pelo visto você está esbanjando de saúde.> Milles da um leve gole em seu café.
Clement dedilhava sua xícara como quem usa um tear a velocidades extremas tecendo fios para um grande tapete. Eram ideias saltando de sua mente e a represália que recebera dos auditores manchava sua honra, e sua profissão. Um leve gole no seu chá e o doce permeia sua boca mas não acalma seu coração relutante, e então uma ideia surge; se ele mudasse uma ou duas linhas de cada anacruse¹.
< - O que está pensando garoto? >
< - milles, meu querido milles acho que sei exatamente o que fez com que eles me reprovassem, se eu talvez mudasse a...>

E num par de segundos Milles joga sua palma sobre a mesa criando um estrondo em toda porcelana em cima e balançando o liquido já no fundo das xícaras.

< - Clement! Agora chega.>
Clement mau pode conter a surpresa boquiaberto diante de seu amigo. Milles  o conhecia desde pequeno acompanhava suas aulas de perto como instrutor e também amigo pessoal da família Oxford, já em seus 48 anos era um homem grande com dedos longos e grossos e a batida que dera na mesa quase entortou um dos finos pés de latão dourado. Ele mantinha Clement como um filho dia após dia o ensinando a se portar e a crescer na burguesia. Clement se manteve calado olhando seu tutor sem moral alguma para responder.
< - Clement, você é bom no que faz. Mas nunca será melhor se não aceitar seus erros. Um homem não é feito somente de vitórias, engula isso e acorde amanhã pensando em contornar seu erro melhorando e não se esquivando.>
Clement sente o rubor esquentando suas bochechas.
< - sim, farei >.

Enquanto Richard se distanciava ele voltava a sentir a brisa do mar jogando seus cabelos lisos entre os olhos, e rapidamente se voltou a moça ali pálida feito uma partitura. Os olhos grandes e marcantes da moça o fitavam com um brilho sobrenatural, e foi caminhando até ela rapidamente batendo as palmas no sobretudo, limpando a sujeira que nunca esteve ali. Folhando calmamente ele busca uma palavra mais adequada em sua caderneta mas depois de perceber que não tinha nenhuma palavra para aquele tipo de situação, ele acaba tentando improvisar com seu vocabulário misturado com dialeto e qualquer outro idioma que tentou buscar;

" - senhorita, está tudo bem ?, eles ...te machucaram ? ah alguma... coisa que eu possa... viver? Fazer!"


1 - Anacruse (do grego anakrusis) ou prótese, é a nota ou sequência de notas que precedem o primeiro tempo forte do primeiro compasso de uma música.

sexta-feira, 27 de março de 2020

Vento Divino - 05

Quando chegaram na hospedaria, Jhun permanecia ainda em silêncio. A viagem de volta pelo lago fora cansativa, mas não tanto quanto escalar e descer a parede... e manter o arco retesado? Atirar com arco e flecha exigia uma força homérica e toda a tensão que os dedos e o ombro seguraram até ele analisar toda a cena e averiguar qual o Daimyô verdadeiro...
Ele passou pelo estalajadeiro e apenas disse.

Jhun: Boa noite. Pode pedir à moça da cozinha que me prepare um pouco de chá e uma tigela de Sunomono?

O chá serviria para acalmar e o Sunomono era um relaxante muscular bem nutritivo até, apesar do gosto forte. Ele agradece curvando a cabeça...

Jhun: Arigatô.
Então, subiu para o quarto, onde seus irmãos trocavam de roupa. Ele também trocou.... tirando a camisa, o corpo magro, porém definido do Shinobi mostrava cicatrizes por todas as costas e costelas. Cicatrizes eram as memórias que o corpo levava de uma vida de perigos, dores e treinamento pesado. Eles as tinha com orgulho, apesar da não necessidade de exibí-las.

Quando Nanami entrou e começou a se trocar, muitos olhos se viraram para ela. Juhn tentou não virar o rosto, mas seus olhos foram ao canto como se a tentação fosse muito grande para não ser possível combatê-la. Quando ela foi se aproximando, Jhun falou com ela sem se virar, como se estivesse ocupado em trocar as vestes.


Jhun: O Daimyô costuma usar sósias, Nanami... e foi isso que ele usou nesta noite. Eu pude ver na platéia um homem igual a ele, ao lado da esposa dele...

Então virou-se e encarou Nanami nos olhos.

Jhun: Porém, quando ele a tocou.... quando ela sorriu para ele, sem fingimentos, sem falsidade... um sorriso sincero e feliz... eu pude ver que o homem na platéia era o nosso alvo. O Daimyô jamais permitiria que outro homem olhasse e tocasse em sua esposa daquela maneira...

Ele então pegou a roupa que seria dela e entregou nas mãos da moça.

Jhun: Vista-se... você está comprometendo o juízo dos homens, Nanami.

Se ela questionasse, ele apenas diria.

Jhun: Cães continuam sendo cães mesmo que você os treine desde filhotes.... homens sempre serão homens. Sua beleza tira o foco deles...

Terminou de amarrar a sua Sash (uma faixa que servia de cinto), ele diz.

Jhun: Sim, eu voltarei a aldeia... tenho de informar nosso senhor de que a missão foi concluída. Ah não ser que você saiba de algo que necessite da minha atenção em outro lugar.

Dito isso, terminou de se vestir e passou por ela, saindo e indo buscar sua refeição.

Nanami era uma beldade, sem dúvida. Mestiça, tinha a pele mais escura que as moças japonesas comuns, em um tom acobreado que lembrava mel. Mas, o que mais chamava a atenção nela eram seus olhos, verdes como jade no escuro, e bem mais claros, quase azulados, na luz. Tinha um temperamento intenso, e era gentil grande parte do tempo, mas era terrível quando se enfurecia. E, muitas vezes, se enfurecia e ninguém conseguia dizer porque.

Como toda moça que é linda desde sempre, Nanami é acostumada à malícia dos homens. Ela é plenamente consciente do desejo e na inveja que sua beleza desperta nas pessoas, e faz uso disso frequentemente em missões Shinobi. Ela lida magistralmente com a turba de homens ao seu redor fazendo de tudo para chamar a sua atenção e marcar território. As más línguas diriam que ela gosta dessa atenção e que a cultiva, mas Jun sabe que dizer isso a ela a deixaria entristecida e com raiva. Ela é mais do que a camada de beleza intensa que a reveste, e tentar resumi-la aquilo é o suficiente pra despertar a raiva de Nanami.


Estrategista brilhante, Nanami frequentemente é encarregada da liderança dos grupos. O grupo de Jun, hoje, estava sob coordenação da jovem Shinobi. Quando Jun contou-lhe sobre as razões pelas quais atirou na platéia, ela sorriu, colocando uma das mãos no ombro do rapaz.

-"Eu sabia que seria uma boa idéia te deixar com a responsabilidade de dar o tiro, Jun. Parabéns."- disse, com um sorriso radiante no rosto.

Mas quando Jun disse-lhe para se cobrir, porque ela estaria comprometendo o juízo dos homens, Nanami corou, ficando até com as orelhas vermelhas. E então Jun viu o ódio faiscar nos olhos verdes da morena. Tentou justificar-lhe dizendo que cães são cães mesmo treinados... mas aquilo aparentemente piorou as coisas. Nanami arrancou-lhe as roupas das mãos com fúria.

-"Como se eu tivesse culpa de você ser um tarado, IDIOTA!"- Ela gritou, ainda muito vermelha, mas agora já abraçando as roupas e ocultando o corpo escultural da visão do irmão.

Ela virou as costas e saiu pisando pesado, enfurecida. Se vestindo com dificuldade com as roupas masculinas que costumava usar, e quase caindo no processo. quando conseguiu fechar a calça e abotoar a camisa, virou-se e apontou o dedo para Jun

-"A essa hora, Sasaki já enviou um pombo para a Vila informando o velho da missão. Então, você devia ficar na cidade e arrumar uma mulher pra te fazer sossegar o facho, seu imbecil."- e então bateu a porta com força atrás de si, enquanto descia para o salão, enquanto os irmãos sufocavam as risadas.

-"E a tigresa da montanha faz mais um vítima! Você deveria ter visto essa vindo, Jun."
- Kojiro sentou-se pesadamente ao lado do irmão, amarrando as botas e rindo do amigo.

A menina que dança - 05

Muitos dos que lutam por um futuro melhor dizem que em breve virá uma era onde as pessoas poderão viver suas vidas sem conhecer o gosto do sangue ou o cheiro de um cadáver. Que virá uma era de paz duradoura, onde as batalhas e a violência serão coisa do passado. Mas, como Suzuka pôde vivenciar hoje, tal era ainda não chegou, e provavelmente ainda há um longo caminho a se percorrer até que ela finalmente chegue.

A geisha caminhava descomposta pelo beco, rumo a rua. Ainda tremia, e lutava para manter as pernas bambas com força suficiente para que pudesse se mover e fugir dali. A tira de seu okobo¹ parecia prestes se arrebentar, e ela praticamente mancava, então, precisava se apoiar na parede. Porém ao alcançar a curva que saía do beco, indo para a viela que levava a rua principal, ouviu novamente a voz do assassino, que conversava com um associado. O homem desconhecido perguntava ao assassino se sua vítima tinha habilidade digna de nota.

Ogho se encolheu e se escondeu, mas não pôde evitar dar uma espiada rápida nos dois homens conversando. O assassino de chapéu negro estava de lado pra ela agora, e ela podia ver suas feições. Ele não tinha o rosto temível que ela havia imaginado. De fato, suas feições eram tão gentis que ele poderia ser confundido com uma garota, se não fossem seus braços fortes e seu olhar rígido. Conversava com um homem grande, que deveria ter cerca de 1,80m e trajava um quimono púrpura. Tinha um bigode desgrenhado e sorria com escárnio. Suzuka percebeu que lhe faltavam dois dentes.

-"Ele era bom?"-
 perguntou, com a voz desafinada e um certo tom de escárnio.

-"Não. Sua habilidade não era digna de nota."- respondeu-lhe o espadachim.

-"Então porque a reverência?"- o homem rude cuspiu no chão enquanto falava.

-"Porque, apesar dos apesares, ele era um adversário que lutou com tudo o que tinha até o fim. Eu o respeito."- 
O espadachim mantinha os olhos fechados enquanto falava, em visível sinal de irritação.

-"Bom, poucos estariam a altura do grande Kawakami Gensai, não é mesmo?"- O homem riu e deu tapinhas nas costas do assassino, que apenas o olhou com frieza.

-"Você tem algum alvo pra mim?"- Perguntou, com ira contida na voz. O homem percebeu e tirou a mão do ombro do assassino rapidamente.


-"Teremos algo grande, em breve. Mas por enquanto não."- Ele deu um passo para trás, com suor frio escorrendo da testa. Parecia sentir que havia ultrapassado algum limite e agora sua vida estava em risco.

-"E o que farei enquanto isso, então?"- Gensai suspirou, aliviando a tensão entre os dois.

-"Aproveite Kyoto, ué. Temos belas geishas por aqui."- o homem sorriu nervosamente e coçou atrás da cabeça.

E então Kawakami Gensai olhou de leve para trás, e Suzuka poderia jurar que ele a teria visto, e rapidamente tornou a se esconder com o coração aos saltos.

-"Sim. Talvez eu faça isso."- Kawakami respondeu, com a voz cansada. E então se retirou.

Suzuka avaliou suas opções. Precisava se retirar, precisava ir pra casa, não podia ficar ali. Mas achou que não teria outra opção além de passar casualmente pelo homem na viela, como se fosse uma transeunte qualquer, que nada sabia. Confiava em suas habilidades de interpretação e achava que poderia fazer isso. Se recompôs como pôde, refazendo o seu penteado e consertando a maquiagem com a ponta dos dedos. Endireitou a postura, envergou seu melhor sorriso, e caminhou confiante pelo beco.

Contudo, as coisas deram tremendamente errado. Assim que o homem grande a viu, sacou uma tanto² da manga de seu quimono púrpura.

-"Você viu"- o grande homem disse, com os olhos arregalados.

Suzuka tentou negar, dizendo que não sabia o que o homem estava falando. Porém, o cadáver cheio de sangue na viela deixava pouco espaço para a geisha se fazer de ingênua.

-"Nada de correr riscos, garota. Sinto muito."- o homem começou a caminhar em direção à Suzuka, e a olhou de cima abaixo. Ele chegou tão perto que a geisha podia sentir seu cheiro de suor e seu hálito de cigarros. Ele deslizou a língua pelos labios rachados e sorriu maliciosamente.-"Mas sabe... se você for boazinha, eu posso ser legal com você."- enquanto deslizava a lâmina pelo yukata de Ogho, afastando o tecido como se quisesse expor os seios da moça.


Ela aperta os seus olhinhos puxados, encarando-o, pela primeira vez com firmeza, pois era algo que ela não se permitia era que confundissem sua profissão com prostituição. Ela era uma geisha tradicional, e tinha estudado para isso.

-"Desculpe, não entendi sua fala, senhor. Acho que deve estar me confundindo. Agora, se o senhor aparecer na casa de chá onde trabalho, será um prazer atendê-lo"- Suzuka se esforçava para manter o sorriso no rosto, à despeito do coração aos saltos em seu peito.

-"Ora, vamos... não seja assim. Temos a noite inteira pela frente."- Ele sorria, e deslizava a lâmina pelo yukata da moça, alcançando a obi³, e fazendo menção de cortá-la.

A moça se assusta e dá um passo para trás, evitando a lâmina do homem, repreendendo-o por não respeitar as tradições.

O homem se enfureceu, e deu-lhe um forte tapa no rosto, com as costas da mão. A violência do tapa cortou o lábio de Suzuka, e a fez perder o equilíbrio e a força das pernas, lançando-a ao chão sujo da viela.

-"Puta suja. Faça seu trabalho e talvez eu a deixe viver."- o homem tinha os dentes cerrados e a raiva transparecia em sua expressão.

lágrimas escorriam pelo seu rosto que ardia. Não tanto quanto seu orgulho, se sentia frágil e humilhada ali, caída, em frente aquele homem, temendo pela sua vida. Se lutasse, sabia que não venceria. Se corresse, sabia que ele a alcançaria. Se ficasse ali, sua honra seria manchada.

Ali, de joelhos, tirou suas roupas de um jeito que pudesse esconder os objetos que carregava consigo, ficando nua diante daquele homem, iluminada apenas pela luz do luar. Esperando ser invadida por alguém que não conhecia. Seus olhos o observavam, mas seu pensamento voava para casa, para sua família.

O homem a observou nua, e sorriu maliciosamente. -"Boa menina", ele disse, enquanto soltava os cordões da sua calça, expondo-lhe o pênis ereto.

Ele aproximou o membro do rosto da moça e a agarrou pelos cabelos, enquanto sorria.

-"Vamos começar com essa sua boquinha suja."- ele disse com a voz maliciosa.

Suzuka fechou os olhos, se resignando do seu destino, e abriu a boca para permitir a entrada do membro malcheiroso do homem rude.

Porém, sentiu como se um relâmpago tivesse caído a seu lado. Gotas molhadas alcançaram seu rosto, e ela abriu os olhos a tempo de ver a cabeça do homem rolar para fora de seus ombros. Seu sangue espirrou e pingou no rosto de Suzuka.

-"Verme imundo"- disse Kawakami Gensai, com os olhos faiscando ódio quando o corpo do agressor de Suzuka caiu no chão pesadamente.

Enquanto a Geisha o olhava, ainda sem reação. Gensai suspirou profundamente, e a olhou com tristeza. Caminhou até as roupas da moça, e a cobriu com elas.

Em seguida, ofereceu-lhe um lenço, para que limpasse o sangue do rosto.

-"Este servo seu implora pelo seu perdão, senhorita. A nova era, onde coisas imundas como essa não mais acontecerão, está vindo. Por favor, seja apenas um pouco mais paciente. A senhorita está bem? Ele lhe fez algum mal?"- Ele tinha os olhos tristes, e falava com Suzuka com ternura na voz.




¹- Calçado feminino tradicional japonês, similar a uma sandália com salto de madeira.
²- pequena espada, similar a uma adaga
³- faixa que segura o yukata fechado

quinta-feira, 26 de março de 2020

Noite Carmim - 05

 Enquanto caminhava em minha mente surgiu um nome, Naomi. Fazia um tempo que o nome dela não fazia parte de meu cotidiano, Naomi Satsume. O que havia feito que o nome dela surgisse em minha mente agora? Por um momento durante um passo e outro tento lembrar o que houve e apenas vejo a imagem dos seios da moça que tirei a vida a pouco. Esse tipo de coisa a gente não vê todo dia e deve ter sido isso que fez com que lembrasse de Naomi.

Durante alguns anos após a morte de meus pais Naomi Satsume ajudou-me durante minha preparação para tornar-me samurai e executar meus serviços ao meu Daimyo. Eu era parte do treinamento dela também. Ela precisava aprender a executar as tarefas de uma esposa ou uma gueixa da corte e eu deveria tornar-me samurai. Ela arrumava as coisas em casa, lidava com serviçais e treinava diversas artes. Todo mês havia uma apresentação de dança e uma de música, no entanto ela também deveria pintar ou esculpir alguma coisa para marcar seu momento.

Começamos a treinar juntos ainda jovens, ela com cerca de 13 e eu de 15 anos. Eu era novo demais pra ela, portanto era um desafio maior, um desafio que deixava algumas marcas em alguns momentos, pois eu não sabia o que fazer em alguns casos e ela não me instruiu "preventivamente". Pra mim uma punição era parte do processo de ser um soldado, mas pra ela era uma marca que teria que ser coberta pela maquiagem. Nós nos tornamos muito próximos com o passar dos anos, foi uma amizade que cresceu bastante. Eu observava suas tarefas e comentava sobre as apresentações ou ensaios, já ela comentava sobre minha postura e escolha de palavras nos jantares ou eventos. Esse tipo de conversa entre nós trouxe vantagens ao nosso treinamento já que tínhamos liberdade de fazer comentários um ao outro enquanto que os mestres eventualmente usariam varas de madeira que deixavam contusões por alguns dias.

No entanto o nome de Naomi Satsume vem em minha mente com mais força, com mais detalhes, detalhes de um inverno rigoroso e um verão quente. Aquela visão, sim a moça com o kimono aberto, aquele inverno em que o fogo apagou. Fazia muito frio, havia fogo queimando e fui dormir normalmente. Ainda lembro que acordei no meio da noite com o barulho da tempestade de neve. O fogo havia se apagado e Naomi tentou acender, mas não conseguiu. Ela saiu no meio da tempestade para tentar pegar outra fonte de fogo, mas ao voltar ele havia se apagado no meio do caminho. Gelada e com pouca proteção do frio ela estava desmaiada perto do fogareiro. Acendi o fogo usando um rascunho de uma pintura que ela estava fazendo e a coloquei sentada abraçando meio peito de costas para o fogo. Eu a esfreguei pelo corpo, pelas pernas, braços e tórax para tentar acorda-la. Ela recuperou a consciência alguns minutos depois após eu achar que a tinha perdido. Foi um momento estranho, nós dois assim, abraçados com os kimonos entre abertos e nossa pele se tocando era mais quente que o frio da tempestade.

Aquele momento íntimo com um abraço e um longo beijo mudou nossas vidas. Naquela noite da tempestade foi como a fagulha e que acende o fogo. Nas noites subsequentes passamos a dormir juntos por conta do frio, mas também para aproveitar o momento que tínhamos a sós. A descoberta da sexualidade foi rápida, no entanto o segredo era importante e excitante. Ela disse que deveria permanecer pura para preservar nosso segredo, porém sua mestra comentou que havia outras coisas que uma mulher poderia fazer. Nosso destino não seria para permanecermos juntos, porém ambos queríamos aproveitar aquele momento ao máximo juntos. Assim o fizemos, durante o inverno primavera e verão ficamos juntos sempre que podíamos. O segredo e a excitação era viciante.

Até que um dia recebemos tarefas diferentes. Sem nos encontrarmos ela recolheu suas coisas e sumiu, enquanto eu recolhi meus pertences naquela casa vazia e parti para minha primeira missão como Hitokiri. Nós desaparecemos da vida um do outro assim como a vida saiu do corpo daquela linda mulher quando eu a acertei com a espada. Da mesma forma que a vida desaparece e não podemos falar com aqueles que nos deixaram, não posso fazer perguntas sobre Naomi pois poderia revelar nosso segredo.

Anos se passaram, no entanto nenhuma mulher foi como Naomi Satsume. Até o momento todas são apenas meninas, ela era uma mulher de verdade.


O caminho até a hospedaria não foi tranquilo. Além dos dilemas morais que fervilhavam na mente de Toshiro, o frio o incomodava, por ter descartado a porção mais quente de suas roupas. Temia também que sua aparência, com poucas roupas para o frio noturno, pudesse atrair para si atenção indesejada, sobretudo dos perspicazes Lobos de Mibu. Assim, decidiu evitar ruas principais e locais que normalmente tem maior movimento. Deslocou-se por becos e vielas até alcançar as imediações da hospedaria Hikari-ya, e sentia a superfície da pele gelada quando adentrou a soleira da porta.
-"Yamamoto-dono! Assim o senhor vai pegar um resfriado!"- Hikari Asami era a neta dos donos da pensão. Uma jovem de pouco menos de vinte anos, com grandes olhos negros, longos cabelos lisos e negros, que alcançavam-lhe os quadris e pele alva como neve. Trajava um quimono branco e púrpura tradicionalmente usado pelos funcionários da pensão como uniforme. Ela tinha o tom preocupado, e se aproximou rapidamente de Toshiro, lançando um cobertor em seus ombros.
-"Eu fiz um pouco de chá. Sente-se próximo ao fogo enquanto eu lhe preparo um banho. Francamente, Yamamoto-dono, não sei onde o senhor está com a cabeça em sair sem agasalhos numa noite fria como essa!"

Asami guiou Toshiro até a área de convivência dos hóspedes, que ficava logo após a recepção. Havia um pequeno braseiro, e uma mesa com chá fumegante.

Sobre Cães e Lobos - 05

A jovem Geisha abre um sorriso largo quando percebe que Akemi decidiu ficar mais um pouco, e suas amigas cochicham nervosamente entre si. A bela jovem une as mãos com as palmas viradas para baixo um pouco acima da linha do umbigo e faz uma reverência formal.

-"Meu nome é Onna Yuri. Por favor, tome conta de mim essa noite"¹- ela diz, ainda levemente corada, com um sorriso. Akemi percebe que o sorriso da moça é daqueles tão bonitos e radiantes que não se pode evitar sorrir junto dela.
Akemi retorna ao salão do restaurante com as belas Geishas, e percebe que o ambiente está bem barulhento. Bastou entrarem novamente pelas cortinas vermelhas para ver que Capitão Harada estava tirando uma queda-de-braço com Yamada Shirou, um recruta que entrou na mesma turma de novatos que Akemi. Yamada era um garoto audaz e viril, ansioso para se tornar um herói, cumprindo façanhas e se tornando famoso através do caminho da espada. Ele podia ser bem desagradável as vezes, a Akemi não gostava de ser designada para missões junto com ele. Porém, talvez como compensação por ter recebido a sorte de estar sob o comando de Harada, a jovem samurai sempre acabava no time de Yamada, pra seu eterno desgosto.

Os outros membros da tropa gritavam vivas e incentivos, e apesar de terminantemente proibido pela filosofia do Shinsengumi, Akemi poderia jurar que viu alguns apostando. Mas, quando as Geishas entraram junto da jovem no salão, um silêncio momentâneo tomou conta do lugar quando todos olharam em sua direção.

-"I-ishida... voltou... com mulheres."- Yamada e o Capitão pareciam ter esquecido de sua queda de braço e olhavam embasbacados, embora ainda de mãos dadas, tornando a cena estranha de se ver.

Yamada se levantou subitamente, e caminhou até Akemi, atirando o braço pesado em seus ombros, e falando com um sorriso malicioso:

-"Ishida, seu safado garanhão miserável... Quem diria?"

As Geishas começaram a ocupar o espaço do salão, conversando com os homens, servindo-lhes bebidas e entretendo a tropa. A festa, que já estava animada, ganhou novo fôlego. E, aparentemente, Ishida ficou com o crédito por ter trazido as moças até a festa, e os rapazes da tropa lhe agradeciam e elogiavam.

O capitão se levantou também e andou até Akemi, segurando-a pelas mãos com o rosto muito sério. Tinha a face avermelhada e seu hálito fedia a álcool.

-"Ishida, eu falhei com você. Lamento ter duvidado da sua masculinidade. Irei redimir minha honra cometendo Seppuku."-
e então se ajoelhou em seiza², encolhendo os braços para dentro das mangas do uniforme e depois tirando pela gola, ficando efetivamente com o torso nu. O capitão tinha o corpo sólido de alguém dedicado aos treinos, e as Geishas soltaram gritinhos. E então o capitão sacou sua Wakizashi³, mas a tropa apenas fingiu chorar e gritavam "vamos sentir sua falta, Capitão!" ou "Morra com honra!", e então Harada se levantou e gritou com a tropa.
-"OI, MISERÁVEIS! Vocês tem que impedir bêbados de fazerem besteiras, e não incentivá-los!

Enquanto a confusão da tropa parecia animar a festa e divertir as geishas, Yuri se aproximou de Akemi e sentou-se ao seu lado, servindo-lhe uma dose de saquê.
-"Em breve eu irei tocar o Shamisen4. Tem algum pedido especial, senhor?- uma mecha do cabelo dela se soltou do penteado enquanto ela se curvou para servir, e ela afastou a mecha para trás da orelha de forma adorável.


¹- O nome da Geisha é um trocadilho. "Onna" significa mulher. "Yuri" significa lírio, mas também é um gênero de mangás sobre lésbicas. (Nota do Narrador: de nada, pessoal)

²- Postura formal japonesa, de joelhos.

³- Espada curta

4- Instrumento de cordas parecido com um banjo, mas com o braço mais comprido. Chama atenção que se toca usando um tipo de leque como palheta.

terça-feira, 24 de março de 2020

Sons, Gostos e Cheiros - 05


Clement claramente não é muito convincente na sua tentativa de impor autoridade sobre os brutamontes, e resolve usar uma estratégia mais para o lado de cavaleiro. Apesar de nunca ter enfrentado tal situação durante toda sua juventude, algumas vezes seu amigo de infância que outrora fora seu inimigo no colégio Stevan se parecia muito com esse tipo de homem, e Clement sabia que a fenda de um pedaço de aço se abre nas lisas chapas e nao nos vincos por isso devia mexer no ego de seu inimigo para talvez abalar a coragem desses homens ou quem sabe provocar de sua ira o suficiente para uma brecha.
Então dobrando o lenço de seu paletó e guardando em seu bolso dianteiro com a ponta a mostra ele diz limpando a garganta;


"- Ora seus Imundos. É essa forma de se tratar uma dama senhores... Vejo que tem muito a aprender ainda, se não conseguem nem conquistar uma moça sem precisar pegá-la como um cão nem imagino que gafes e desfeitos ja fizeram a outras, é realmente uma pena tão sujos e tão bárbaros"

Dito isso clement sente um gosto amargo na boca, como se ja soubesse as respostas que viriam a seguir, mas apesar de encarar os homens com um olhar de deboche estava a apertar os dentes de nervosismo, colocando as mãos nos bolsos do sobretudo e alisando o gélido metal do relógio de bolso.

Os homens olham duramente para Clement, e o rapaz percebe que os provocou além do que deveria. O da cicatriz puxa a moça pra perto de si, e ela não tem escolha além de dar um passo a frente, soltando um gritinho de dor e surpresa. Ele passa os braços grossos por cima dos ombros da moça, que parece se encolher para se proteger do toque grosseiro do marujo. Ela não fala nada, apenas olha ao redor com um olhar de medo, e para Clement com um olhar de súplica. Aparentemente, a moça percebera a intenção do rapaz em ajudar.

Mas do que isso lhe valeria, caso lhe faltassem os dentes? Outros dois gorilas, ainda maiores que o homem da cicatriz, deram um passo a frente. Ambos tinham tatuagens nos dois braços. O conhecimento de heráldica de Clement permitiu ao rapaz reconhecer o brasão tatuado no pulso de ambos, ao lado de outras figuras de temas náuticos e de marinhagem. Ambos eram ex-membros da Legião Estrangeira. Sentiu-se cada vez mais enrolado em um problema insolúvel.


-"Vamos dar um jeito nesse almofadinha desbocado"- disse um dos gorilas. Um homem particularmente alto, de constituição sólida e queixo muito quadrado. Quadrado demais para ser considerado bonito. O homem era careca e sorriu ao falar, permitindo ao pianista perceber que lhe faltavam vários dentes, e que sua boca apresentava os sinais clássicos do escorbuto.

Um tiro pro alto chamou a atenção dos homens, que olharam para o lado do cais onde havia terra firme, e notaram Richard de arma em punho. O belo revólver chamou a atenção de Clement e fez o rapaz suspirar de alívio.


-"O senhor Clement é um homem de família nobre, ocupado demais para conversar com vocês, marujos burros. Aqui, venham conversar comigo. Ainda tenho cinco argumentos para usar nesta nossa conversa, um pra cada um de vocês e ainda me sobra um de troco."

Sons, gostos e cheiros Whatsa10Não existe uma forma padronizada para representar, por meio de fonemas, os sons que os seres vivos ou os objetos produzem. Se mergulhares no mundo das histórias das revistas infantis vais encontrar um sem-número de versões para as mesmas onomatopéias. Os tiros, por exemplo, vão desde o prosaico “pum”, passando por “pow”, “pam”, “crack”, “bang”, “bangue”, “blang”, até o espetacular tiro de alto calibre de Nyoka, a rainha da selva, que fazia “kapow, kapow”, sugerindo o eco longínquo nas savanas da África. Mas esse som em específico foi um belo estralo em eco por toda a praia, os olhos de todos se voltam para Richard na parte alta da praia, e olhando desse jeito ele parecia um sujeito incrível mesmo, um capitão da velha guarda da marinha renomado talvez? Honroso e cheio de coragem.

O tiro soou como um stopin para abrir os pulmões de Clement em uma inspiração rápida e súbita. Realmente Richard chegara em boa hora, mas seria o suficiente para tirar a moça daquela situação complicada ? Uma pessoa nao precisava de muito para afugentar alguém quando se usa uma pistola.
Clement caminha até Richard e fala calmamente limpando a garganta;

"-Rum rum, a moça certamente está se sentindo incomodada por esses marinheiros, podemos tirar esses pedaços de porta de cima dela? -" falando isso enquanto bate no seu sobretudo dando a impressão que está tirando a poeira do casaco, por mais armado que richard esteja nao é garantido que soltarão a moça de imediato, então Clement propõe aos marujos que libertem a moça e sigam suas vidas para acabar com aquilo o mais rapido possível;  " - dito isso acho que nao precisamos dizer mais nada, porque nao deixam de atormentar a moça e vão seguir suas vidas sem nenhum buraco a mais no corpo"

segunda-feira, 23 de março de 2020

Vento Divino - 04

O Shinobi segurou o ar por alguns segundos... seus olhos puxados se fecharam milimetricamente, como se os cílios fossem filtrar qualquer partícula que atrapalhasse um tiro perfeito. Para Jun, ser o homem que dispararia a flecha era uma grande honra. A confiança de seu clã em seu treinamento e em seu sucesso era algo que ele não podia ignorar. Tinha de ser preciso, mortal... infalível!

A dúvida sumiu quando ele viu o homem na platéia. O sorriso da esposa não era mentiroso... e sósia alguma teria a permissão de tocar a esposa do Damyiô! Naquele ato de carinho entre o casal, o Damyiô assinou o seu óbito. Jun mordeu o lábio inferior e seus dedos se afastara em câmera lenta. A flecha partiu na noite e Jun ficou ali parado, olhando.... quando o grito da mulher ecoou no ambiente, como um lobo que uiva para a lua, ele teve a certeza.... o alvo não havia mais. Ele agora fora para as Terras de seus ancestrais, pagar por ter sido inimigo do clã do Shinobi.


Jun deu um salto mortal do parapeito, seguido de uma cambalhota e arremessou para trás uma corda com o gancho. Quando ela prendeu, garantindo que o SHinobi lutaria por mais uma noite, ele a esticou e foi correndo pela parede, formando um triângulo que crescia a cada sengundo, formado por suas pernas, a corda e aparede.
Quando atingiu o chão, Jun fez um balanço e puxou a corda com gancho de volta... não deixaria pistas para os homens de Hoji.

Ele escondu-se em um arbusto para esperar que não houvesse ninguém e então correu, pelo mesmo caminho que veio, indo em direção à praia e aos barcos, sempre tomando cuidado e mantendo os ouvidos bem atentos...

Caso não houvesse problemas e encontra-se seus irmãos, ele apenas menearia a cabeça, como quem diz "missão cumprida!" E entraria no barco.


O caos estava instaurado. Enquanto corria, era possível ouvir o som de tiros sendo disparados pelos homens do Daimyo, o que incitava a sensação de urgência no peito do shinobi. Mas, ele podia confiar em seus irmãos. Ele havia cumprido seu papel, eles cumpririam o papel deles. Era possível ver que vez ou outra um guarda do castelo se interpunha em seu caminho de fuga, apenas para ser abatido por um shinobi escondido nas sombras. Seus irmãos liberavam o caminho durante sua passagem, e a confiança de Jun cresceu, e ele venceu seu caminho até o muro sem maiores dificuldades.

Escalar a corda que o permitiria alcançar o topo da muralha lhe tomou mais tempo do que imaginara que tomaria, e percebeu que estava mais cansado do que imaginava. Mas a adrenalina cumpria sua função, e garantia a força extra necessária para continuar a execução do plano, agora na fase de fuga. Se tudo desse certo, teriam cumprido a missão de forma exemplar, sem nenhuma baixa. Quando alcançou o topo da muralha e foi obrigado a olhar para baixo, viu os barcos parados contra a terra negra da encosta, e era mais alto olhando de cima do que parecia ao observar de baixo. Sentiu um pouco de vertigem, mas encontrou a corda e empreendeu a descida sem maiores dificuldades. Sentiu-se aliviado quando pisou no pequeno bote de madeira e ouviu o som da madeira rangindo sob seus pés.



Em pouco mais de cinco minutos, os barcos estavam cheios de novo e seguiam seu caminho pela neblina do lago. Porém, o silêncio permaneceu. Os Shinobi sabem muito bem que as palavras rolam longe sobre as águas de um lago. Só voltariam a falar quando estivessem dentro da zona segura. Quando o botes alcançaram o centro do lago, se dividiram. Cada bote tinha seu próprio ponto de encontro e extração, e o bote de Jun seguiu tranquilamente pela rota estabelecida até alcançar a margem oeste do lago. Lá, uma carroça de palha aguardava os ninjas. Um de seus irmãos retirou o seu Shozoku¹, e vestiu roupas de aldeão, assumindo as rédeas da carroça. Jun e os demais se esconderam no palheiro que a carroça carregava.

Ficaram em silêncio por horas a fio, mas a adrenalina não permitia a Jun o menor dos cochilos. Manter-se parado era difícil, e logo os músculos ficaram doloridos graças ao excesso de tempo na mesma posição. Quando ouviu as batidas do condutor na madeira, soube que haviam chegado a zona segura, e ouviu seus irmãos batendo palmas e abraçando uns aos outros, congratulando-se pela missão bem executada.

Estavam em frente a uma pequena hospedaria nos arredores de Kyoto, fora da cidade, na Nakasendo². Adentraram a hospedaria, sentindo o cheiro doce do chá sendo preparado, e provavel alguns ohagi³. Jun sentiu a boca salivar. Quando chegou no quarto alugado, Jun e seus irmãos começaram a trocar de roupa, até que Nanami se aproximou.

A beleza da Kunoichi4 era sempre um brinde à visão de Jun. Sabia que deveria olhá-la com os olhos de um irmão, mas a nudez dela revelava uma pele macia e curvas que mesmo o Velho teria de admirar, e a falta de pudor dela em mostrar-se diante dos irmãos fazia qualquer um engasgar. Os deuses pouparam Jun de contemplar a nudez total de Nanami, pois os longos cabelos negros cobriam-lhe os seios, e seu fundoshi5 ocultava-lhe a flor, mas ainda assim, o corpo generoso da Kunoichi era sempre uma visão desconcertante. Ela tinha as mãos na cintura, sem pudor e sem tentar esconder seu corpo à visão do ninja, como sempre fazia diante dos irmãos. Nanami levava o termo "irmão" bem a sério, talvez mais do que deveria. Ela falava à Jun com o semblante preocupado.


-"Jun-kun, porque você atirou na platéia, e não no Daimyo? E de qualquer forma, o que pretende fazer? Vai voltar para a vila imediatamente?"

¹- Traje de shinobi.

²- Estrada que ligava Kyoto a Edo. Uma das cinco principais rotas do Japão.

³- Iguaria japonesa. Bolinhas de arroz cobertas de feijão doce e gergelim

4- Ninja do sexo feminino

5- Roupa de baixo tradicional japonesa, similar a uma tanga que deixa as coxas e nádegas desnudas.

A menina que dança - 04

A menina que dança D2amn0n-e5ea2efa-7f28-4ac0-aafd-afc54f42e12c.jpg?token=eyJ0eXAiOiJKV1QiLCJhbGciOiJIUzI1NiJ9.eyJzdWIiOiJ1cm46YXBwOjdlMGQxODg5ODIyNjQzNzNhNWYwZDQxNWVhMGQyNmUwIiwiaXNzIjoidXJuOmFwcDo3ZTBkMTg4OTgyMjY0MzczYTVmMGQ0MTVlYTBkMjZlMCIsIm9iaiI6W1t7InBhdGgiOiJcL2ZcLzM4NWYyZTlmLTBkNDMtNGZiNy1iNTQ5LWYyYmJmOGRjYWRkYVwvZDJhbW4wbi1lNWVhMmVmYS03ZjI4LTRhYzAtYWFmZC1hZmM1NGY0MmUxMmMuanBnIn1dXSwiYXVkIjpbInVybjpzZXJ2aWNlOmZpbGUuZG93bmxvYWQiXX0Suzuka ficou ali, não sabia exatamente por quanto tempo, mas tinha medo de se mexer, e se tornar uma vitima daquele Samurai. A cena daquela morte, os brilhos daquele olhar tão jovem se desfazendo ali na sua frente, nunca imaginou que iria presenciar a morte de alguém, já viu alguns entes partirem, já participou de alguns Okiru, mas nunca virá a morte tão de perto, assim cara a cara como aquela noite.

Seu corpo todo tremia, olhou para o céu tentando se atualizar no tempo, e tinha a certeza que já se passará um bom tempo ali, a lua já estava ao centro céu, já era tarde, já tinha se atrasado para sua apresentação, mas também a cabeça dela não estava para isso, enquanto seus olhos estavam ali cerrados para aquele corpo sem vida a sua frente, foi quando resolveu sair do escuro e caminhou em direção ao jovem caído. Olhou para os dois lados para confirmar que estava sozinha ali naquele beco, e seguiu um passo de cada vez, ouvindo sua própria respiração, abaixou e ficou mais próxima ao corpo, pegou o papel que o Samurai havia deixado ali, dobrou sem ler e guardou no meio do seu traje, pegou a espada do rapaz e guardou contigo, fez suas reverencias pela alma daquele pobre Otokonoko e seguiu com pressa, enxugando suas lagrimas, borrando mais a sua maquiagem, seguiu em frente .. mas para onde iria?? ia chegar na casa de chá daquele jeito?? roupa suja, maquiagem borrada, atrasada e ainda com o grito preso em sua garganta??? não estava em condições de seguir em frente a sua unica certeza e que ali ela não poderia ficar .... e decidiu voltar para casa e lá tentar se equilibrar e pensar em tudo que acabou de presenciar.

Amanhã teria que inventar uma boa desculpa para seu chefe, tinha falhado como Gueisha, tinha falhado como uma pessoa, aquela noite tinha falhado e seu coração estava sangrando pela honra manchada.


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