-"Uma rodada de cerveja pelos seus problemas, rapazes. Relaxem, somos todos amigos aqui."- o experiente lobo do mar previra problemas futuros, e agira para acalmar a situação. Os três marujos riram alto.
-"Você é um bom homem, Richard. Sem ressentimentos."- disse o homem da cicatriz, que surpreendentemente ficava ainda mais feio quando sorria.
O velho lobo do mar suspira aliviado. Sua tentativa de apaziguar os ânimos poderia fazê-lo parecer fraco e aumentar ainda mais o risco, mas seria certo que os homens guardariam ressentimento e poderia apanhar Clement sozinho em nova oportunidade. Felizmente, a sua aposta pagara bem, e o homem pôde devolver a arma para o coldre. Ele veste sua boina marrom surrada demais e dá palmadinhas amistosas no ombro de Clement.
-"Escapamos de uma boa, hein? Um pouco mais de cuidado, rapaz. Eu não vou estar por perto sempre. Bom, aproveite a nativa. Dizem que elas são muito boas com a boca."- Richard deu mais algumas palmadinhas amistosas no ombro do amigo e deu uma risada forte antes de se virar para ir embora.
A moça permanecia em silêncio, e imóvel, como se esperasse ser reivindicada pelo lado vencedor da disputa, e observava Clement com olhos suplicantes.
Com o comentário de seu amigo, Clement sente suas bochechas esquentarem, lembra seu velho tutor o repreendendo por alguma arte que fizera quando pequeno. que sensação nostálgica essa, um breve momento de saudade toma conta de seus olhos.
Novembro, Três anos antes.
Uma nevoa clara paira sobre a cidade, a brisa calma que vem do céu confronta as ondas de fumaça do alto das casas espalhando fuligem e o cheiro por kilometros, os grandes corredores de concreto formam um labirinto no centro da cidade e mais ao longe dali, em frente ao grande bosque Roundhay um café é posto sobre a mesa numa delicada xícara.
< - Não foi dessa vez Milles, mas eles deveriam aceitar como essa a maior obra do ano, não, da década! eu me esforcei muito.>
< - Eu tenho certeza Clement mas não é assim que funcionam as coisas, os auditores sabem quando uma obra é um achado, como também sabem que você pode fazer melhor, entenda filho você é jovem e tem muito talento mas levante suas calças e acorde, demora décadas para uma obra ser reconhecida e muitas vezes só depois da morte do compositor elas ganham valor e pelo visto você está esbanjando de saúde.> Milles da um leve gole em seu café.
Clement dedilhava sua xícara como quem usa um tear a velocidades extremas tecendo fios para um grande tapete. Eram ideias saltando de sua mente e a represália que recebera dos auditores manchava sua honra, e sua profissão. Um leve gole no seu chá e o doce permeia sua boca mas não acalma seu coração relutante, e então uma ideia surge; se ele mudasse uma ou duas linhas de cada anacruse¹.
< - O que está pensando garoto? >
< - milles, meu querido milles acho que sei exatamente o que fez com que eles me reprovassem, se eu talvez mudasse a...>
E num par de segundos Milles joga sua palma sobre a mesa criando um estrondo em toda porcelana em cima e balançando o liquido já no fundo das xícaras.
< - Clement! Agora chega.>
Clement mau pode conter a surpresa boquiaberto diante de seu amigo. Milles o conhecia desde pequeno acompanhava suas aulas de perto como instrutor e também amigo pessoal da família Oxford, já em seus 48 anos era um homem grande com dedos longos e grossos e a batida que dera na mesa quase entortou um dos finos pés de latão dourado. Ele mantinha Clement como um filho dia após dia o ensinando a se portar e a crescer na burguesia. Clement se manteve calado olhando seu tutor sem moral alguma para responder.
< - Clement, você é bom no que faz. Mas nunca será melhor se não aceitar seus erros. Um homem não é feito somente de vitórias, engula isso e acorde amanhã pensando em contornar seu erro melhorando e não se esquivando.>
Clement sente o rubor esquentando suas bochechas.
< - sim, farei >.
Enquanto Richard se distanciava ele voltava a sentir a brisa do mar jogando seus cabelos lisos entre os olhos, e rapidamente se voltou a moça ali pálida feito uma partitura. Os olhos grandes e marcantes da moça o fitavam com um brilho sobrenatural, e foi caminhando até ela rapidamente batendo as palmas no sobretudo, limpando a sujeira que nunca esteve ali. Folhando calmamente ele busca uma palavra mais adequada em sua caderneta mas depois de perceber que não tinha nenhuma palavra para aquele tipo de situação, ele acaba tentando improvisar com seu vocabulário misturado com dialeto e qualquer outro idioma que tentou buscar;
" - senhorita, está tudo bem ?, eles ...te machucaram ? ah alguma... coisa que eu possa... viver? Fazer!"
1 - Anacruse (do grego anakrusis) ou prótese, é a nota ou sequência de notas que precedem o primeiro tempo forte do primeiro compasso de uma música.