segunda-feira, 1 de junho de 2020

Sons, Gostos e Cheiros - 09

-"Senhor, se o senhor falar rápido, eu não entender"- A moça parecia ter feito um esforço sincero para entender as palavras de Clement, aceleradas pela empolgação. Porém, no meio das perguntas, ela pareceu se perder completamente e passou a não entender nada. Ele mesmo parecia ter percebido que estava sendo confuso, mas a moça apenas sorriu. Uma gargalhada adorável. Clement sentiu que fazia anos que não ouvia uma mulher rir.

Os meses que havia passado no navio, havia passado na companhia apenas de homens. Mulheres dão azar em navios era como os marinheiros justificavam a ausência feminina no convés. De qualquer forma, a marinhagem era um trabalho árduo. O próprio Clement, que era mais passageiro do que tripulante, foi obrigado mais de uma vez a puxar cordas pesadas, rolar barris, carregar sacas de grãos... era um trabalho sacrificante. Clement imaginou que mesmo que fossem aceitas no navio, mulheres estariam fadadas ao serviço na cozinha. Mesmo o serviço de limpeza seria pesado e perigoso demais para elas.

Quando finalmente alcançaram a costa japonesa e lançaram âncora, a dias atrás, Clement descobriu que as nativas eram quase sempre muito sérias e sorriam apenas discretamente. Os japoneses eram um povo disciplinado, contido e discreto, em sua larga maioria. Nunca havia visto uma mulher japonesa dar demonstrações vívidas de alegria. E ao ver e ouvir Hana sorrindo e gargalhando na praia sob o sol, sentiu que uma de suas missões naquela terra distante, mesmo que uma das pequenas, havia sido atingida.

-"Já sei! Vamos até o res.tau.ran.te onde eu trabalho. Vou cozinhar algo gostoso para o senhor, como agradecimento. Comida japonesa."

"Que ótima ideia, entretanto não seria um problema um gaijin entrar no restaurante da sua familia ? É claro que nao me faltará modos, de maneira alguma, mas as vezes não somos bem recebidos. Vocês tem chá la ? Eu adoro chás.".
Colocando o chapéu sobre seu cabelo bem penteado novamente, ele faz um singelo gesto de companhia para que ela segure seu braço
" -Então, mostre-me o caminho"
Devolvendo finalmente aquele grande sorriso que mais cedo o surpreendeu, não era facil achar alguém que o fizesse perceber tais coisas mas essa moça tinha um grande livro em sua aura, e com certeza Clement estava curioso para lê-lo.
"A senhorita tambem poderia me mostrar alguma comida que eu possa comer sem ... Estar tão cru?" E com uma gargalhada ele espera seu aperto no braço para continuarem.

Ao ouvir Clement dizer que aceitaria ir para a casa dela, Hana ficou corada como um tomate. Uma mulher convidar um homem para a própria casa, no Japão, era um ato obsceno. Talvez ela tenha cometido um erro terrível ao tentar falar um idioma que não conhecia bem.

A moça se constrangeu e gaguejou, tentando explicar a Clement que havia cometido um engano, mas estava tão envergonhada que poderia chorar. Soltou uma enxurrada de palavras em japonês, em uma velocidade que Clement não tinha a menor esperança de compreender. A moça tinha medo do que o rapaz poderia pensar dela. Poderia achar que ela era uma qualquer, se oferecendo pra ele.

Mas logo a jovem se lembrou que estava conversando com um estrangeiro, e que as barreiras linguísticas e culturais que os separavam eram grandes. Acalmou-se, mas achou melhor esclarecer o mal-entendido de qualquer forma. Sorria de forma encabulada, e ainda tinha a face rosada pela vergonha quando lhe pediu desculpas e esclareceu tudo da melhor forma que pôde.

Quando o mal-entendido fora resolvido, retomaram sua caminhada pelo cais. Hana sorriu quando Clement lhe ofereceu o braço, e pegou seu braço de forma tímida. O toque da moça era delicado, e ela tinha mãos tão pequenas que Clement ficou parecendo um gigante ao seu lado. Conversaram sobre amenidades enquanto caminhavam ilha adentro. A jovem perguntara a Clement se ele gostava de frango. O rapaz sentiu uma fisgada no estômago quando imaginou a possibilidade de ser obrigado a comer frango cru, mas logo Hana gargalhou e lhe explicou que nem tudo o que comiam era cru, e que iria preparar Kaarage, que era um tipo de frango empanado e frito em óleo, com uma farinha e um tempero especial, preparados com sake, gengibre e especiarias. Ela disse que sabia que estrangeiros adoravam comida frita, e pensou que ele gostaria disso. Disse-lhe também que havia uma variedade de chás disponíveis para que ele apreciasse, e que ela recomendava-lhe expressamente que experimentasse o chá Oolong, especialidade da casa. Contou-lhe que era um chá que ficava entre o chá verde e o chá preto, mas que tinha o sabor mais parecido ao do verde, mas sem o gosto floral típico do chá verde.

A moça se sentia tão empolgada em falar e mostrar as coisas para Clement quanto Clement era empolgado em ouvir e conhecer coisas novas. Ambos descobriram ser uma companhia muito agradável ao outro, mesmo que tenham andado juntos por um caminho tão curto.

O restaurante onde a moça trabalhava não tinha nome na placa, como era costume dos restaurantes japoneses de Dejima. A placa de madeira entalhada que adornava a entrada discreta mostrava apenas uma flor de lótus roxa sobre fundo marrom, revelando um duvidoso senso estético de seu pintor. Clement esperava que Hana tivesse um senso artístico mais apurado do que o do entalhador da placa.

O lugar era pequeno. Apenas meia dúzia de mesas se espremiam em um espaço estreito que mais lembrava um corredor do que uma sala. Além de Hana, apenas outra moça vestida em trajes tradicionais japoneses servia as mesas. Não estava muito cheio, apenas uma das mesas estava ocupada.

Mas, o que chamou a atenção de Clement foi um velho piano de madeira, empoeirado num canto do restaurante. Parecia que ninguém mexia nele a séculos.

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